domingo, 10 de novembro de 2013

Fui às sortes e safê-me...

No Alentejo dizia-se assim, quando se ia à inspecção militar e a malta se safava da guerra do ultramar.

Nos meus tempos de liceu, tinhamos pavor de tirar uma negativa! Agora, a idade avançou e quando fazemos análises, só queremos mesmo tirar NEGATIVAS!

Felizmente foi o que me sucedeu – Amigos, tirei uma excelente NEGATIVA nas análises que fiz ontem, dia 17 – endoscopia e colonscopia. A médica suspeitava que eu tivesse um cancro no cólon e felizmente NÃO TENHO!

Fui às sortes e safê-me!

Realmente alguns amigos já me tinham garantido – “Luis, não custa nada, nem sentes, quando acordares, já passou...” Mas eu estava com medo era dos resultados! Gostava de ainda por cá andar mais uns anos...

Às 15 horas de uma terça feira chuvosa dei entrada no North Shore Hospital. Instalaram-me na ala norte do Hospital – 2º andar, quarto 250. Quarto individual, limpinho, decoração simples, mas simpático e com aparelho de televisão. Janela para o parque de estacionamento do Hospital.

Entrou a enferrmeira de serviço. Bonita, elegante, loira, de olhos azuis e uma pronúncia que me era vagamente familiar! “Hello, I’m Linda, I’m british... from London!” “Ah...” – respondo eu – “from The Beatles country!” “Yes… but the Beatles are from Liverpool!” “yes, I know that”

Uau – Beatles? Logo no começo? Uau... é bom sinal!

A Bianca, de uma total dedicação, acompanhou-me sempre. Reparei que ela estava um pouco nervosa. Descansei-a contando umas piadas, mas suponho que ela reparou que também eu estava diferente e nervoso. Por mais forte que se seja e “preparado”, nunca se está pronto para uma sentença grave!

Começaram as preps que é como quem diz, as preparações para o tormento das análises!

Tive de beber, ao longo de quatro horas, mais de dez litros de água e um preparado qualquer a saber a vitamina C, ligeiramente esbranquiçado.

Às sete da tarde mudou o turno das enfermeiras.

Entrou outra – baixinha, de pele muito branca, magra, olhos verdes.
“Hello, I’m Lorraine, I’m irish!” “Oh, my name is Luis and I’m portuguese.”
“Really? So we are brothers – we are both gaelic!” (Ai é? Então somos irmãos porque somos ambos gaélicos).

Estava em casa! Realmente a cultura celta, teve o seu berço na Irlanda e marcou indelevelmente a língua portuguesa uma vez que a presença dos celtiberos na Península foi significativa e embora não muito prolongada, foi o suficiente para ter influenciado a nossa forma de falar, de sentir, de nos expressarmos. Palavras como Fado, Faena e Fandango vêm directamente da cultura celta, ou da língua gaélica, como eles gostam de assinalar.

Só por curiosidade, acrescento que Fado significa uma “tasca” onde se vai beber e ouvir canções nostalgicas. Ainda hoje na Irlanda se usa!

Durante a noite a Bianca teve de sair (embora as vsitas fossem só até às 20 horas, ela ficou até às 21h).
A noite foi em branco, uma vez que as preps fizeram efeito e tive de ir (bem contadinhas) 18 vezes à sanita descarregar a água toda que entrara e limpar tudo muito bem para a colonscopia do dia seguinte!

De meia em meia hora a irlandesa vinha dedicada e cuidadosamente perguntar-me “my darling, hello, is everything all right?”

Assistência de 1ª classe! Melhor? Impossível! E na Austrália é assim: a custo quase zero!

Na manhã seguinte, a irlandesa veio avisar-me de que eu seria o 1º a avançar para as análises!

Pelas 8 horas um enfermeiro australiano, do tipo dos jogadores de rugby, tipo armário, 1, 90m, cabelo rapado e lenço enrolado à volta da cabeça, entrou, apresentou-se, cumprimentou-me e disse-me – vá, entre para cima da cama e eu vou levá-lo para a enfermaria das análises!

Respondi-lhe que eu poderia ir a pé! Ele olhou-me espantado e disse-me que se eu quisesse fazê-lo poderia, mas ele teria de levar a cama na mesma! Ah...ok – perebi que eu teria mesmo de ir deitado porque seria assim que eu iria ser sujeito às análises!

Saloio! Nunca fiz uma coisas destas... ninguém adivinha! Eu sabia lá...

Fui saudado por três médicos. O da colonscopia – que eu já conhecia – indiano, que tinha estado em Portugal, num congresso médico, há anos atrás. Professor universitário, o simpático Dr, Sandanayake, que me sossegou e disse que não ia custar nada “mais fácil do que o Cristiano Ronaldo marcar um golo!”

Estava um médico chinês que era o anastesista e me saudou calorosamente como se me conhecesse e uma médica australiana (a da endoscopia), menos comunicativa, mas com um ar profissional.

Apanhei a injecção no peito da mão esquerda e só me lembro da médica me mandar morder um objecto que entretanto me colocou entre os dentes!

Mais nada!

45 minutos depois acordei noutro local – e uma mulatinha simpática (talvez indonésia) disse-me: you are recovering – estás a voltar a ti!

Meia hora depois apareceu o Dr. Sandanayake que me saudou de novo e me disse com um sorriso que nunca mais esqueço – está tudo bem! Não tens cancro. Só tinhas um pólipo que tirei. De resto tens as paredes do aparelho digestivo muito vermelhas, mas é da falta de ferro. Daqui a quatro semanas quero-te ver no meu consultório aqui do hospital. Mas fica sossegado – não tens cancro!

Apeteceu-me saltar da cama e correr para um telefone, ou para um computador e começar a enviar mensagens!

Estava sem forças e com sono ainda, devido à sedação.

Quando o “jogador de rugby” me levou de novo para o quarto 250 lá estava a minha Bianca ansiosa à espera e creio que lhe adivinhei uma lágrima a correr pelas faces quando lhe disse do que o Dr. Sandanayake me garantira. “Eu sabia! Tu és como a Fénix!”

Daí a pouco entrou uma nova enfermeira de turno!

Indiana, linda, de cabelo comprido! “Hello, my name is Pria, and I’m from India!”

My name is Luis and I’m Portuguese! And you came from India, but where from? Da Índia, mas de onde? De Goa! Uau… lindooooooo! Continuava a jogar em casa! Ela sorriu e deve-se ter recordado do passado comum de Portugal e Goa, Damão e Diu!

Não comia nada desde domingo ao jantar.

Era terça-feira e a fomeca dava sinal! Ainda não era meio-dia e a Pria mandou que me fosse servido o almoço. Não sei se seria assim tão bom, mas achei-o delicioso e papei-o num instante!

Logo após o “repasto” saímos. Lá vim com a Bianca para casa. Quando cheguei, não tive alternativa: deitei-me cansado, cheio de sono e feliz!

Dormi até hoje, 4ª feira, dia 18, até meio da manhã.

À tarde tinha uma tarefa sagrada – comunicar com todos os meus amigos e dizer-lhes simplesmente que
FUI ÀS SORTES E SAFÊ-ME!       

Luis Arriaga
Sydney, aos 18 de Setembro de 2013.


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